
Realidade de limite, luz e forma, de sabor de feijão, de tudo que nasceu para ser analisado.
E todos querem melhorar uma realidade para si ou para os outros.
Mas as realidades são quase todas fugitivas, incorpóreas. São águas de mar matando gente, poupando também, virando espuma, salgando para a morte ou a preservação.
São raios de luz gerando sombras nos recôncavos, e os dedos se distanciam muito para tocá-las, e voltam estáticos, procurando solidão.
Todos querem uma realidade. Ninguém procura o falso, o perigoso, a fantasia do concreto.
Mas é preciso estatura e força para se lhe tocar. Ela tem labirintos de entranhas surpreendentes!
Mesmo quando passeia nos bondes, pendurando o povo no estribo inseguro, ou quando põe a todos em fila para o lugar de sardinha dentro de ônibus, ela é meio impenetrável.
Realidade suada, cansada, demorada, que sobe e desce no sentimento, na carne, na vontade.
Às vezes, vozes aumentadas falam de realidades palpáveis aos ombros de todos. Ouvindo-as, os donos delas passam cinema, vendem pipocas ou fazem cifras de números em círculos de prisão imaginária porque elas só sabem crescer.
As realidades andam soltas, fantasiadas de tudo. Irreconhecíveis, às vezes, ou claras e puras, metidas em ternura e andrajos. Andam queimando a pele proliferando em todos os olhos. Seguem indiferentes, chorando nos hospitais, sorrindo nas festas, acordando em todos os leitos.
Ninguém pode fugir à sua presença e ao seu contato. Sua mão acorda todos os sonos, seu riso disfarça qualquer pena.
Muitos tentaram tocar as realidades e tiveram as mãos feridas. Outros deixaram promessas formadas há dezenas de anos entre seis bocas e milhares de ouvidos ávidos, como se tudo se repetisse para o nada. Sumiram-se as palavras, perderam-se esperanças.
Hoje à noite, vamos fazer serenata nos passeios onde, à tarde, crianças jogaram maré – e ainda deixaram papéis de bala – para que se não perca também a poesia do mundo.
(texto do livro Luz sobre o Mar)
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